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domingo, 16 de março de 2014

VIAJANDO NA LEITURA - A Senhora da Varanda

Todas às vezes que eu passava na rua dos Andradas, voltando do trabalho, fim de tarde, lá estava ela sentada em sua cadeira de balanço na pequena varanda em frente de casa; tinha os cabelos totalmente brancos, sorriso nos lábios, demonstrando muita serenidade. Ela gostava realmente de ficar admirando os transeuntes que passavam apressados de volta ao lar, num tempo em que a violência pouco se manifestava. Como diariamente, eu passava por ali, era comum  ouvi-la desejar um boa noite ao qual me obrigava a tirar o chapéu e retribuir a gentileza cordialmente.  Um dia, ofereci o jornal e ela muito séria, tirou os óculos e respondeu que não gostava de ler porque só havia notícias ruins e notícias ruins perturbavam sua mente, por isso, não lia, já que ela sozinha não iria solucionar o problema da humanidade só iria ficar mais triste. Escutei atentamente seus argumentos sem entender o que ela queria dizer, pois naquela época não se ouvia falar de depressão. Na última vez que passei pela frente daquela casa, estava apressado e ela me parou, questionando o porquê de tanta pressa, então afirmei que precisa arrumar as malas visto que viajaria para outra cidade onde faria um curso de aperfeiçoamento com duração de um ano. Ela me desejou boa sorte e rapidamente entrou em casa, retornando com um livrinho, presenteando-me com ele, dizendo que tal livro me ajudaria nos momentos de solidão. O título do livro instigava à leitura: Vivendo sem Preocupação. Agradeci o presentinho envergonhado porque não havia lembrado de comprar algo para a minha estranha amiga. O tempo foi passando lentamente e aquela pequena obra de cunho filosófico  me ensinou a manter o controle diante de situações difíceis. O curso demorou mais do que eu esperava, por isso, só retornei à cidade dois anos depois. No primeiro dia de trabalho, passei na mesma rua, dessa vez passei numa floricultura e comprei meia dúzia de rosas brancas para retribuir pelo precioso livrinho. Ao adentrar na rua, logo notei de longe que a cadeira de balanço não estava lá, mas eu bateria na porta para desejar-lhe boa noite, como ela sempre fazia comigo. Quem atendeu foi um velhinho de pijama que veio me atender com passos lentos, usando chinelos um tanto gastos pelo tempo. O pior é que eu nem sabia o nome da senhora, porém, expliquei que queria falar com a senhora que ficava sentada na frente de casa. O idoso me convidou para sentar, tirou os óculos, limpou os olhos e com a voz embargada disse que a Mariquinha partiu e partiu exatamente dormindo na antiga cadeira de balanço. Tomei um susto e lamentei o ocorrido. Ele recebeu as flores e colocou-as no vaso próximo a uma foto da dona Mariquinha. Hoje, aqui na minha cadeira de balanço, olhando o entardecer, lembrei-me da senhora da varanda, aquela que há muitos anos atrás  já dizia que o mundo estava muito violento, fico refletindo sobre o que ela pensaria ao saber que esse velho mundo se transformou num campo de guerra e eu só posso observar os que passam porque há grades de ferro e alarmes ao redor da casa. Mas como ela mesma dizia: 'não é bom pensar tanto nessa violência porque nada podemos fazer para amenizar ou ajudar os que passam por ela'. Ela ainda teve o privilégio de poder sentar na sua cadeira de balanço sem se sentir como um animal entre grades, agora tudo é diferente: os honestos vivem entre grades porque os donos da rua, os marginais, estão soltos, prontos para matar, sem piedade nem dó e o que é pior, ainda encontram defensores que os chamam de 'humanos'. É .. a ordem das coisas estão invertidas, pois na verdade, os verdadeiros humanos estão aprisionados em seus lares, coagidos por seres sem alma que há muito tempo perderam o direito de serem chamados de humanos.


Lindo Domingo a todos.

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