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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Açucena: a Flor e a Fera




Todas as manhãs, Açucena pulava da cama feliz, corria para o humilde banheiro e tomava o banho. O banheiro era muito simples, feito de madeiras, não havia chuveiro mas a água ? Hummm ... tão límpida e tão transparente! Tão fria e tão refrescante! Ah! A mãe natureza fizera brotar ali, a água que só o Criador tornara pura e cristalina: água de cacimba! E lá se vai a menininha, no fragor de seus oito anos, tomar café e se preparar para fazer aquilo que mais gostava para tão tenra idade: estudar. E esse gostar por "saberes" a acompanharia vida afora. Ela chegava pontualmente às seis e cinquenta na escola. E era segunda-feira.
- Mamãeee, mamãeee .. mamãeee!
-  Ô, Açucena, o que foi, garotinha? Não vê que estou atarefada ?
- Minha bolsa, mamãe! Fiz a tarefa e deixei aqui ... estava com sono. A senhora tirou daqui?
- Ta ali, olha, pendurada na parede. Aqui na mesa não é lugar de livros, tu sabe muito bem.
- Deixa a menina, mulher, antes interesse em estudar, do que ficar por aí, como a maioria das crianças da vizinhança que ficam o dia inteiro zanzando, durante o dia. Olha a hora, Açucena.
- Eu sei, papai. A professora Inês, não falta nem doente.
- Corra então, faltam dez  pras sete.
Sem responder, a menina pegou aquilo que chamava de bolsa: um saco de plástico onde levava um lápis, uma borracha, um caderno e um livro de Língua Portuguesa. Os pais não tinham condições financeiras de comprar toda a lista de material escolar e compravam apenas o livro que a menina não abria mão, o de Língua Portuguesa. A escola ficava localizada há uns dez minutos de casa, indo a pé. Nesta segunda-feira, Açucena correu não sem antes roubar uma flor de Papoula da vizinha, para ofertar a professora Inês. "Como é inteligente e boazinha, a professora" - pensava Açucena na corrida, protegendo a flor como se fosse o presente mais precioso que costumava dar à professora, todos os dias. Chegou em cima da hora, só a tempo de dizer às pressas: presentee, presenteee! A professora Inês sorriu interiormente pois conhecia aquela pequerrucha há um tempinho e tinha um amor especial não revelado pela criança tal qual a maioria dos professores que guardam em seus corações "oa amores não ditos, não revelados". E começava a aula ... a maior bagunça reinava, enquanto a professora explicava que "a ordem dos fatores, não alteram o produto".
Açucena era muito tímida. Calada, introspectiva, nunca estudava para as provas, apenas prestava atenção nas aulas e fazia os exercícios solicitados. A cabecinha da menininha parecia um computadorzinho. Depois da explicação, ela copiava os exercícios do quadro negro, sim, porque a professora sabia que muitas crianças não posuíam livros e precisavam aprender; hora de concentração: "a ordem dos fatores não alteram o produto" memorizara rápido, Açucena. Bateu a campa, imediatamente, todos corriam gritando: eeeeeeeee !!! Ah, esse: eeeeeeeee ! Marca registrada da alegria da menina também criança. E lá se vai Açucena comprar pela grade da escola, o picolezinho feito de Kisuco que tão saboroso era na época. Só tinha uma moedinha, o suficiente para comprá-lo. Depois, quedava-se num canto, tristonha, sozinha, não fazia amizades; logo sairia daquele estado transitório pois a campa da volta do recreio explodia nos ouvidos e todos alunos, vibrando gritavam: aaaaaaaaaaaaaaaaaaa !!! ( estou fazendo força pra não rir ...kkkkkkkkkkkkkkkk ). Açucena saiu do seu recanto e correu no meio da meninada. Ela ainda não sabia que a maldade existia e que há crianças também más. Quando já estava quase chegando em alta velocidade, bem à porta da sala de aula, estava a menina mais temida da escola: a Ana Maria, linda menininha loira cujas unhas pareciam, garras, arma usada para impôr  seu poderio e todas que ousavam enfrentá-la, passavam longe dela. Então, a Ana Maria, maldosamente, esticou a perna e Açucena se viu no chão, ao som de "muitas gargalhadas" das outras crianças que preferiam se aliar com a mais forte da escola do que com a frágil Açucena. Tudo escureceu na mente da criança que, subitamente levantou num instinto, passou a mão na boca onde um sangue vermelho e forte corria feito cachoeira, então, instantaneamente despertou em si a fera adormecida, sua  parte oculta e desconhecida que convivia lado a lado  com a flor. O resultado ?

Sim,a frágil flor virou tigresa e ferida, sentindo o gosto quente de sangue, partiu para o ataque. Ana Maria, acostumada a derrubar vários alunos, usou de tudo o que sabia, no sentido de luta corporal. Os alunos fizeram uma roda e gritavam: Ana, Ana, Ana Ana! Mas Açucena nada ouvia, naquele momento, não era a flor quem lutava mas um animal atingido traiçoeiramente, sem estar esperando. A luta foi violenta, ninguém apartava, os professores estavam em reunião, e a escola em peso, queria ver num tapete, a pele da tigresa; se houvessem apostas, a favorita seria a temível Ana Maria,  afinal, ela não perdia uma. E a tigresa levava a pior pois estava com o rosto completamente em sangue das garras da outra. De repente, um urro animal ecoou na escola, a fera conseguiu se desvencilhar dos braços da inimiga, empurrou-a com fúria e a gigante indomável, tombou ao chão. Arisca como os felinos nobres, Açucena que aqui não era mais Açucena, pulou por sobre a valentona, sentou em cima dela e a atacou com socos, mordidas no pescoço tal qual fazem os da sua espécie. Ana Maria, completamente imobilizada, não reagia mais, apenas apanhava. Só aí que um aluno correu para diretoria, contando o que estava acontecendo; a professora Inês vôou para o local e ainda flagrou a fúria de sua aluna preferida, exclamando: "Açucenaaa, que que é isso ? Não acredito no que estou vendo! " A menina, ao ouvir a voz doce da professora, pareceu acordar de um pesadelo e moveu o rosto em direção da voz que ouvia como um acalanto, timidamente respondeu: "nem eu" ! Assim, apartaram as duas alunas sob um aplauso e gritos das crianças pois o domínio do terror havia terminado para eles numa luta de Titãs. Na diretoria, as crianças foram liberadas e só poderiam retornar com a presença dos pais. Chegando em casa mais cedo e toda machucada, Açucena contou tudo ao pai. Ele andava lentamente, devido a um derrame, sem se importar com nada, foi à escola imediatamente com Açucena e descarregou na diretora toda a revolta. Por sua vez, a diretora chamou todos os alunos, considerados de bom comportamento, para narrarem o acontecido. Assim, Açucena poderia retornar no dia seguinte à escola. Agora, era ela quem era temida e respeitada, contudo, nunca usou dessa "fama" para humilhar ninguém e as crianças viveram uma das melhores fases de suas vidas. Ana foi punida com um mês de suspensão e era mês de novembro, fim do ano letivo, ela perdeu o ano e se tornou a melhor amiguinha de infãncia de Açucena. Para refletir: "é preciso coragem para modificar uma situação de imposição violenta. A força para reverter situações adversas, se encontra no âmago de nossas almas. É esta força mental adormecida que pode sim, derrubar impérios, basta, para isso, que seja acionada."  Claro, este não é um exemplo que se aplique nas escolas mas politicamente correto em relação ao massacre a qual os poderosos submetem os excluídos da sociedade, à corrupção e à devassidão de pessoas que sobem ao poder, visando interesses mesquinhos e egoístas, sugando a força do trabalhador, condenando -o a escravidão de um mísero salário mínimo.



                                                                Scarlet Wind   

Um comentário:

  1. Muito BOM! O inicio indica um conto infantil, de uma menina e seus relacionamentos com a família, a escola, a professora amada e suas coleguinhas, no entanto nos reserva uma grande lição política, através do embate que teve com a colega arrogante e valente que lhe agrediu covardemente e provocou a sua revolta e contra-ataque feroz. Diz um dito popular:"Não mexa com quem está quieto!".
    Isto lembra os acontecimentos recentes da revolta popular contra os opressores como o Sadan, Mubarak/Egito, Muamar Kadafi/Líbia e outros ameaçados de perderem o poder e morrerem
    podres de rico a custa da miséria do povo.

    Muito bom mesmo! Parabéns!

    Aceite meu abraço!
    ZanLP

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