Viajando na Literatura: análise de conto - Meu Tio, o Iauaretê ...

"O homem que vive entre feras sente inevitável necessidade de também ser fera."

( Augusto dos Anjos )

Introdução:

Adentrar no universo de Guimarães Rosa é desvendar a mensagem filosófica deixada pelo autor em suas obras, para gerações futuras. No conto "Meu tio, o Iauaretê" o tema que nos permite viajar na literatura é o homem X animal ; neste sentido, perceberemos que muitas vezes, o caráter do homem é mais violento do que a de um animal selvagem.

Enredo:

O conto "Meu Tio, o Iauaretê"  inicia-se quando o narrador, um mameluco que vive numa tapera na selva, recebe no começo da noite, um estranho forasteiro. Em troca da hospitalidade, esse lhe oferece bebida forte, iniciando-se um diálogo-monólogo entre ambos. Com muita dificuldade de se expressar, aos poucos, o mameluco, vai falando sobre sua vida. Quanto mais bebe, mais fala: " careço de beber, para poder prosear. Se eu não beber muito, então não falo.(...) - Estas Histórias, pg. 165 

O nome desse personagem é Tonho Tigreiro que se identifica como caçador de onças que foi contratado para trabalhar numa fazenda, com a finalidade de eliminar onças que visitavam o local e faziam estragos. No começo, cumpriu bem sua função, depois se isolou no meio do mato e em estado de completa embriaguêz, confessa ao estranho ter assassinado várias pessoas, entregando - as às onças. Sim, tornara-se amigo das onças, chamando-lhes por nomes de pessoas. Apaixonou-se por uma delas e lhe deu o nome de Maria-Maria a quem nutria um ciúme doentio:  "A-han. Maria-Maria é bonita. Mecê devia de ver ! Bonita mais do que alguma mulher. Ela cheira à flor de pau-d'alho na chuva (...) Nhem ? Ela ter macho Maria-Maria ? ! Ela ter macho não. Xô ! Pa ! Atimbora ! Se algum macho vier, eu mato, mato, mato, pode ser meu parente o que for! ( pg. 127 ) Tião Tigreiro continuava conversando, afirmando sempre que era parente das onças. " Eh! onça é meu tio, o jaguaretê." ( pg 172 ). E assim, a noite foi avançando  e Tião, revelando o fim trágico de várias pessoas que moravam nas cercanias: Bijibo, Seu Rioporo, Guguê e etc.  Todos assassinados e entregues a várias onças. O forasteiro ia sempre oferecendo mais bebida, incentivando-o a falar e em toda a narrativa, apenas a fala do Tião fora expressa no conto. Após narrar com detalhes os assassinatos, Tonho tenta se aproximar do visitante o qual se desvia e dá-lhe um tiro à queima roupa e naquela longa noite em que o narrador recordou seu passado - teve seu encontro com a morte. Esse personagem forasteiro não apresenta a fala expressa no texto, supõe-se ser um dos parentes das vítimas e que andava atrás de Tonho Tigreiro; ele se arriscou pois todos que passavam pela vida de Tonho não escapavam com vida.

Pequena análise:

Personagens principais: Tonho Tigreiro e o forasteiro.

Personagens secundários:

Nhô Nhuão Guede - o dono da fazenda que lhe dera emprego.

Os outros personagens assassinados representam os sete  pecados capitais:

1) Preto Bijibo: a gula

"...Preto Bijibo não esbarrava de comer não. Comia, falava em comida."  ( pg 193 )

2) Seo Rioporo: a ira

"...Tava toda hora furiado ... ô homem aquele pra ter raiva."  ( pg 193 )

3) Guguê: a preguiça

"...Fazia nada . Dormia, pitava, não cavacava  chão, pra tirar mandioca." ( pg 194 )

4) Antunias: a avareza

" ... Não dava nada não, não, guardava tudo pra ele." ( pg 196 )

5) Seo Rauremiro: a soberba

"... Homem muito soberbo." ( pg 196 )

6) Preto Tiodoro: inveja

"... Preto Tiodoro ficava danado comigo, calado. Porque eu sabia caçar onça, ele não." ( pg 193 )

7) Maria Quirineia: luxúria

"... Muito homem que estava acostumado ia lá. Muito homem."

E os animais - personagens secundários - Maria- Maria, Onça Porreteira Papa-gente e Onça Tatacica e outras.

Foco narrativo - 1. pessoa - é Tião quem faz um flashback e conta sua história.

Tempo cronológico porque tudo ocorre numa noite.

Conclusão

Ao longo do texto, notamos que o personagem principal Tonho Tigreiro se afasta da sociedade para morar no meio do mato, numa região repleta de onças. Ele perdeu o contato com a civilização, passando por um processo de zoomorfização que é uma figura de linguagem que aproxima e descreve o comportamento humano como de um animal, o homem é tratado como um animal. No conto são abordados aspectos da essência humana, referindo-se aos sete pecados capitais. As pessoas assassinadas possuíam esses pecados. Tonho Tigreiro demonstrava aversão aos seres humanos e se identificava com  as onças, passando a admirá-las ao ponto de se metamorfosear-se nelas, considerando-se parentes desses felíneos. É importante perceber a comparação implicita na obra pois os animais seguem uma rotina tranquila, só quebrando-a quando são ameaçados, os quais são seus instintos de sobrevivência. Fica evidente que, enquanto o animal mata pra sobreviver, o homem é capaz de ir além, constituindo-se no maior predador do reino animal: " o homem é o lobo do homem."( Thomas Hobbes ).  O fato de apresentar personagens negros, brancos e índios, demonstra a preocupação do autor em deixar nítido que os sete pecados capitais são inerentes a todo ser humano. O que distingue o homem dos animais é sua racionalidade, no entanto, em determinado momento, o homem é capaz de perder todo senso de racionalidade e quando atinge esse patamar, se torna muitas vezes, pior que os demais animais. Daí a origem das guerras, dos estupros, crimes passionais e violência. Não era à toa que Guimarães Rosa afirmava que "viver é muito perigoso"  devido a fera que se esconde no interior de cada ser humano. Esta fera adormecida, quando despertada, pode levar ao caos a sociedade e até mesmo a vida do planeta, caso esse homem seja alguém de poder ou mesmo alguém cujo interesse mesquinho, vise a obtenção do lucro a qualquer custo. Isso é o que vem acontecendo atualmente com a devastação das florestas e rios pelo homem que poderá desencadear  e sentenciar o fim da vida no planeta azul.

Bibliografia:

Estas Histórias - Guimarães Rosa . Ed. 1985.

By: Scarlet Mayara