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domingo, 26 de junho de 2011

Flashback ... Pintaínha !!!


Cinco e meia da manhã de hoje, domingo, abri a janela do quarto e vi o rei sol emergindo por sobre as águas profundas e escuras do Negro. Cumprindo sua rotina, a enorme bola alaranjada, parecia desafiar o rio. Passarinhos gorjeavam no quintal e, ao longe, eu podia ouvir o cantar do galo que fazia questão de impor seu cântico, para dizer quem é que mandava no galinheiro. Tal cântico me fez recordar um momento dos meus tempos de criança. E era meu aniversário, ulalá, naquela época, tudo era mais difícil e a família passava muitas dificuldades financeiras, as quais fui vivenciando, sem perceber a gravidade da situação. Esta é a felicidade da criança pois não precisa se preocupar com nada. Amanheci naquele dia eufórica. Minha mãe foi ao quintal e trouxe uma caixinha de papelão cheia de buracos, dizendo: "este é o seu presente de aniversário,  é especial, é diferente dos demais, nasceu assim, dê uma olhada e cuide muito bem dele." Meus olhos graúdos e azulados ficaram surpresos ao ver um pintinho, amarelinho, com as penas todas ouriçadas. Nunca tinha visto um pintinho de penas arrepiadas e aquilo, para meus olhos de criança, era a sétima maravilha do meu universo infantil. Tratei de pôr um nome e o chamei de "Pintaínha."  Pintaínha foi crescendo sob meus cuidados, chegando eu ao ponto de fazer uma frase especial para ele: "Pintaínha, Pintaínha, você é amarelinho." E o tempo transcorria sem pressa, vi Pintaínha ficar rapazinho, alterando o timbre das cordas vocais e ele cantava alegre, rouco, esquisito. Ouvi então meu pai brigando com meu irmão adolescente, afirmando o seguinte: 
" baixe a voz, quando falar comigo, seu frango, o galo aqui sou eu!..kkkkk ..."
Logo entendi que Pintaínha, ainda não era galo, era um frango. Nossa rotina prosseguia, eu chegava da escola, jogava a bolsa em qualquer canto e ...tchibummm, pulava da varanda e tomava banho no rio, alegremente. Logo, minha mãe chamaria todos para o almoço e éramos em oito irmãos.Depois do almoço, voltava pra varanda, olhando fixamente para um tronco de árvore, repleto de tartaruguinhas, jaçanãs e jacarés que quaravam diante do sol forte de meio-dia. Ainda não entendo, como é que eu não tinha medo nenhum de tomar banho, naquele rio. No outro dia, seguia o mesmo ritual, sem esquecer dos cuidados com Pintaínha que, nesta altura já era galo. Eu gostava de me deitar na relva verdinha, olhar as nuvens do céu que, na minha imaginação, viravam castelos e reis. À noite, dormíamos cedo e naquele local onde hoje é a Manaus Moderna, a energia elétrica não havia chegado. Minha mãe acendia um enorme lampião e colocava todos cedo na cama, "chegava o trabalho que dávamos durante o dia", resmungava ela. Na madrugada, um barulho vindo do galinheiro acordou a todos, inclusive o vizinho do lado o qual gritou: "vizinha, não se assuste, tem uma pintada, fazendo estrago no galinheiro." Logo a seguir, perguntou se minha mãe tinha pilhas de rádio haja vista que ia precisar para colocar na lanterna. Minha mãe pegou as pilhas e jogou pela janela as quais caíram na sala do seu José. Corajosamente, o homem com aspecto indígena, avançou e pediu que ninguém saísse de casa. Então minha mãe, se armou de um terçado, falando para permanecermos ali porque ela estava indo ajudar o vizinho. O clima era tenso, a noite muito escura e demorava a passar, até que ouvimos dois estrondos quebrando o silêncio da madrugada. Estava tudo consumado, a onça fora alvejada.Mamãe e seu José se despediram  e o vizinho falou que ficaria com o couro da onça que ficara estendida, morta, ao lado do galinheiro; o restante da noite, não consegui dormir pensando em Pintaínha. Com os primeiros raios do sol, levantei-me e já havia muita gente da vizinhança, curiosos com os disparos e admirados estavam com o tamanho da pintada de dentes enormes e afiados. Chegando ao galinheiro, cantei o refrão, "Pintaínha, Pintaínha, você é amarelinho" - não houve respostas. Encontrei um rastro de sangue e penas multicores de patos e galinhas e na outra saída do galinheiro as penas ouriçadas, ensanguentadas de Pintaínha. Não dá para descrever o que senti, saí dali aos prantos e minha mãe me disse que Pintaínha deixara descendente e eu teria outro pintinho. Angustiada, não me importava com o que ela falava, apenas via o massacre feito no galinheiro: patos, galinhas e Pintaínha assassinados ! Estavam todos mortos e esse foi o primeiro trauma infantil o qual deixou uma cicatriz no meu pequeno coração de criança.

By: Scarlet Mayara

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